7.10.05

O alerta

De vez em quando, há crianças que vêm ter comigo e perguntam-me: "Tiozinho, afinal de que maneiras é que o jornalismo pode ser útil à sociedade?" (sim, há gente que me chama tiozinho) E eu ponho o meu melhor ar catedrático e explico, dando exemplos. O pior é que os exemplos adequados são difíceis de encontrar, sendo necessário guardá-los em memória quando surjam. Hoje é um desses dias felizes e passo a falar-vos de um magnífico trabalho jornalístico publicado numa página inteira do Público de hoje (página 32, secção de Sociedade) que cumpre todos os requisitos que se esperam de uma peça jornalística, ou seja, que informe, que eduque e que contribua para um mundo melhor.

O título é "Crianças europeias mais contaminadas do que as mães" e, por baixo de uma fotografia desfocada de uma criança que corre por um corredor fora em pânico e legendada com "Somos todos cobaias involuntárias de uma experiência global descontrolada', sublinha um especialista. Os mais novos não são excepção", ficamos a saber que, de acordo com um estudo da World Wildlife Fund, foram encontrados vários químicos nocivos presentes no sangue de 13 famílias de 12 países, químicos esses que são usados pela indústria no tratamento de vários bens de consumo que vão de alimentos a vestuário, electrodomésticos ou produtos de higiene e beleza. E não se perde tempo com eufemismos. O primeiro parágrafo abre logo a matar: "Quando se sentam ao computador, utilizam aparelhos eléctricos ou vestem roupa, as crianças europeias estão a ser contaminadas com variados tóxicos que entram no seu corpo." Ah é? Que coisa medonha. Então e que podemos nós, adultos responsáveis, fazer para evitar isso? Respondendo a esta pergunta, ali vem ao lado uma listagem de produtos perigosos e uma pequena colectânea de dicas para quem quer escapar ao perigo da contaminação generalizada.

Ficamos a saber que há "cerca de mil químicos diferentes" que podem estar presentes nos alimentos e que "nas latas e alguns plásticos, por exemplo, existem substâncias que podem perturbar o sistema hormonal." O quê? Mas que escandaleira! Quer dizer que, ao comer o conteúdo de uma lata de atum, corro o risco de que me nasçam ovários? Isso não pode ser. Com o sistema hormonal não se brinca! Em relação aos cosméticos, diz-nos a autora da peça que "as substâncias perigosas, como os ftalatos, tanto podem estar presentes como não, mas é difícil saber porque não constam na lista dos ingredientes." Ficamos todos mais tranquilos assim. "O mobiliário, os aparelhos eléctricos e as carpetes têm muitas vezes retardantes de chamas ou tratamentos antinódoas que contêm químicos perigosos." Os mesmos retardantes de chamas são também usados para tratar o vestuário que é feito totalmente ou em parte de fibras artificiais tingidas com tintas químicas.

E depois, as dicas sobre "como evitar o perigo." Na casa de banho, devemos evitar "cosméticos e outros produtos de higiene e beleza com fragrâncias sintéticas" (ou seja, todos). Com as crianças, é necessário evitar biberões de plástico e não reutilizar "garrafas de plástico para dar de beber ao bebé?" (Hã? E garrafas de cerveja? Pode-se?) Aconselha-se também "cuidado com a origem dos brinquedos" (se a etiqueta disser "MADE IN NORTH KOREA", não compre). E, finalmente, na cozinha, devemos evitar "enlatados, perfumadores de ambiente e produtos de limpeza com fragrâncias fortes" e usar "produtos biológicos" (a associação de produtores do ramo agradece).

Ou seja, para resumir tudo isto ao essencial, se não quiser passar o resto dos seus dias como reservatório ambulante de químicos nocivos, não tome banho, não lave a casa, satisfaça as suas necessidades fisiológicas num baldio virgem de herbicidas, ande nu (não pense em embrulhar-se em peles de animais, seu ecoterrorista!), não coma nada (nem os produtos hortícolas e frutícolas que estão cobertos de pesticidas), não se aproxime a menos de vinte metros de qualquer aparelho eléctrico, dê um copo ao seu bebé e ele que se desenrasque sozinho e, de preferência, vá morar para uma gruta bem arejada.

Seja responsável. Cuide de si e dos seus.