3.2.05

A sugestão coimbrã

Coimbra estava linda, posta em sossego, quando o senhor Guedes sucumbiu à sombra da sua própria capa. Menino e moço naquelas andanças, o senhor Guedes deu consigo no chão. O estrondo, curiosamente, só foi ouvido no dia 20 que se seguiu.

Todavia, longe de se abrir milagrosamente em flores, para júbilo de toda a população, o senhor Guedes, sem avisar, desacolchetou-se. Indecorosamente, talvez - mas será a metáfora aviltante? Calma: o que o senhor Guedes desabotoou foi a alma, resguardando o nobre colo da frialdade coimbrã. Aos arranques, numa agonia pavorosa, soltou os ais. E os soluços. A exoração: "barrai-me o Sócrates, abjurai-me o Sócrates, removei-me o homem".

A cidade murmurou o espanto e a dúvida: que pede o sujeito? que delírio é este? mas quem lhe acode?
Coimbra, cidade prudente, deu-lhe as penas. E o alcatrão às latas. Deixou-lhe também metros de corda e varapaus, o ferro e a brasa e outras miudezas em pontas intrigantes e com funções que convém ignorar. Coimbra deu-lhe tudo para o calar. Satisfeito, o senhor Guedes reuniu a logística e desapareceu na direcção da Portagem. Até hoje.

Por isso, nas noites em que o vento arrepia o Mondego e lava o céu rápido de nuvens, os mais velhos asseveram que, lá do profundo recolhimento do Choupal, se desprende ainda o queixume vago do Senhor Guedes, entrecortado pelas ferozes casquinadas das tricanas, sugerindo um fugaz alvoroço espectral.

1 Comments:

Anonymous Anónimo opinou...

Quem assim escreve não é gago e sabe da arte.Quanto ao Guedes aos costumes disse nada.

11:12 da tarde  

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