23.7.07
15.7.07
Malo tutus humi repere quam ruere
Não sei se é estreia mundial ou sequer nacional, mas o Bloco inaugurou mais cedo a estação do disparate com a introdução do Cavalo de Tróia na política portuguesa. O happening aconteceu ontem na península do mesmo nome, contra os "grandes empreendimentos imobiliários disfarçados de projectos turísticos".
Desconheço se se atreveram também a reconstituir o grupo de Laocoonte - provavelmente com Francisco no papel do dito e Fazenda e Rosas nos de Antiphantes e Thymbraeus, pai e filhos a serem estrangulados pelas serpentes marinhas enviadas por Poseidon (leia-se construtores civis e Santos Silva) para calar a voz da oposição.
Tudo isto é engraçado e, ao mesmo tempo, preocupante. Em pleno reinado da metáfora futebolística, a erudição procura voltar à política - façam o favor de ler o Eça e admirar o impressionante estofo clássico dos parlamentares novecentistas. Mas o país certamente desconfia de quem lhe traz presentes tão requintadamente embrulhados no celofane da presunção. A Dona Conceição Lino que vá para rua inquirir o transeunte sobre a deriva simbólica do Bloco e logo verá.
Eu temo é que a moda pegue. Sinceramente. Eu temo que a partir de Setembro - na discussão do orçamento e da retoma, das virtudes da OTA e de Alcochete ou do trajecto do TGV, mesmo da função pública terminal e do rescaldo dos incêndios e fogachos entre Menezes, Mendes e Santana - desabe sobre o país ainda exausto do bronze, em todo o seu esplendor, o edifício mitológico de que poucos guardam doce e vaga memória do tempo do liceu.
Eu temo essa playlist diária de deuses, semideuses e heróis e mais um nunca acabar de entidades que fazem corar de inveja a Marvel e a senhora Rowling. Eu temo os novos bárbaros ao contrário. Eu temo que Filipe Vieira embarque para Ítaca e caia nos braços de uma Penélope de olhos amendoados. E que o Major se compare a Sísifo e Manuel Pinho a Prometeu. Eu temo pelo fígado dilacerado de Manuel Pinho. Como o pobre Calvin, eu temo, no frágil refúgio dos lençóis, os regimentos de titãs, ciclopes e hecatonquiros, musas, cárites, sátiros e ninfas que acamparão debaixo da minha cama. Eu temo pela sanidade mental dos portugueses.
Hoje ainda, ao princípio da noite, eu temo que Carmona avance triunfante para a câmara e erga solene e grave a cabeça de Costa. E que, no desespero do horror, a minha intenção de zapping se fixe na rigidez pétrea de mais quatro anos de Inferno e Tártaro.