Ao sintetizar as prioridades da política externa portuguesa na trilogia "Espanha, Espanha e Espanha", o primeiro-ministro não esclareceu as suas implicações (diríamos ecos) nas restantes pastas governamentais. Nem no prometedor quotidiano dos Portugueses.
Este amor súbito, e em força, pelos vizinhos do lado não pareceria estranho no tempo do Eça, quando se ia para Sintra ou para o Dafundo em tipóias com espanholas. Mas pergunte-se ao Senhor P. Moura, por exemplo, quais os costumes vigentes em matéria de espanholadas.
Afastando de vez qualquer trapalhada que um alucinado projecto de reconquista certamente nos traria (sossegai, prateleiras do Corte Inglês, balcões do Santander!), supomos que o primeiro-ministro venha um dia destes anunciar que o equivalente na educação será "castelhano, castelhano e castelhano" - contrariando o prometido inglês à tenra idade; ou que na defesa nos baste "Olivença, Olivença e Olivença" para cumprir Portugal - deixando em doca seca os portais submarinos encomendados. Mas o primeiro-ministro não disse mais. Para não embaraçar o seu estado de graça.
Isto parece traduzir uma obsessão mal resolvida (uma tolice, diria o Pulido Valente) ou então é o resultado equívoco da resposta encadeada a uma tripla série de perguntas dos jornalistas: onde vai passar férias no próximo Verão? qual é o país que temos de aturar até à eternidade? onde comprou os seus últimos caramelos?
Como a última hipótese não parece verosímil, fiquemos pela obsessão.
É de esperar, por isso, que este mandato albergue como nenhum outro o fantasma em carne e osso do espanhol. Mais. Que o castelhano passe a língua de trabalho do Parlamento (perdão, Cortes) e das reuniões do governo. Que se decrete o Don como tratamento protocolar - tem a palavra o deputado D. Paco Louçã. Que as tapas e os calamares removam de vez os jaquinzinhos. Que passe na rádio os "Usted también". Que corra o Tejo ao contrário, mais o Douro e o Guadiana, levando rabelos e cacilheiros até ao impenetrável coração da Ibéria. Ou que exportemos a seca para lá da raia, juntamente com a cortiça e o café do Nabeiro. Raspe-se o Zé Povinho usurpador e eis o Sancho Pança que Bordalo indecorosamente travestiu.
Mais de seiscentos anos após o milagre do quadrado e da panificação lusitana, soa profética a "trombeta castelhana" que deu sinal em Aljubarrota: vamo-nos a eles, coño! E restaurados enfim os cognomes, Sócrates ficará como "o nosso espanhol".
O retorno deste novo desígnio nacional (mais um a somar à lista) começará a pingar no dia em que a Hola descobrir maravilhada a Quinta da Baracha. Ou que baixe a gasolina do lado de cá. Então dormiremos a sesta descansados.